""Existe uma diferença fundamental entre uma atracção erótica, ainda que intensíssima, e o mais tímido assomo de enamoramento. Duas pessoas podem lançar-se nos braços uma da outra, frementes de desejo, fazer amor, procurar-se apaixonadamente, mas, se nãofoi despoletado o processo de enamoramento, nenhuma delas sente a necessidade lancinate de conhecer a vida da outra. Na atracção puramente erótica ficamos satisfeitos com a presença, completamo-nos ambos no presente, na antecipação do próximo encontro. Pelo contrário, depois da fase inicial dp processo de enamoramento sentimos necessidade de saber mais coisas sobre a pessoa que nos prendeu e que não nos sai da cebeça. Quem é realmente? O que estará a fazer neste momento, como passa os seus dias, o que fez no passado? Já não conseguimos contentarmo-nos apenas com o presente. Somos inexoravelmente levados a procurar no seu e no nosso passado o segredo do nosso papel no futuro.
Os nossos sentidos tornam-se vigilantes, a nossa sensibilidade mais intensa, e iniciamos explorações, enamoramentos embrionários.
Ficamos presos, fascinados. Pressentimos um valor, uma força, uma riqueza. E começamos a pensar nela com uma insistência, desejamos voltar a vê-la. É certo que não podemos dizer que estejamos enamorados. Não podemos sequer dizer que tivemos "uma paixão fulminante". É muito menos, um interesse, um desejo, um aglomerado de fantasias e, ao mesmo tempo, um irromper de questões. Alguns dos seus comportamentos, algumas coisas que nos disse, fazem-nos adivinhar qualquer coisa, como uma porta que se abre.
mas não sabemos se é ela que procurávamos. E, ainda antes de nos perguntarmos se ela nos agrada verdadeiramente, ainda antes de nos perguntarmos se estamos enamorados dela, ainda antes de querermossaber se ela nos ama, começamos a interrogarmo-nos sobre quem ela é. Descobrimos que não sabemos quase nada sobre ela. Alguns gestos, algumas palavras, um bilhete, qualquer coisa que nos foi dita febrilmente. mas quem é, na realidade? O que fez ao longo de sua vida? quem amou, porquem foi amada?
Na nossa vida encontramos diversas pessoas que têm sobre nós um grande poder. De quem depende o nosso sucesso e o nosso insucesso. Deveríamos procurar compreendê-las, estudá-las. para agirmos de modo adequado. mas não o fazemos. porque o que vai na alma é coisa que em nada nos interessa. O desejo de conhecer em profundidade o mundo afectivo de um outro desperta apenas quando surge o amor. Por isso, logo ao primeiro sinal de um potencial enamoramento ficamos ávidos do passado daquela pessoa e temos ciúmes de todos aqueles que ela amou. E quanto mais pensamos nela, mais a sua natureza essencial nos escapa, nos parece inacessível, misteriosa. temos de conhecer as suas emoções mais ocultas, os actos mais secretos da sua vida, e mesmo assim não é o bastante, porque ambos mudamos continuamente.
A história do amor é a história desta busca recíproca que termina subitamente quando nos damos conta de que o outro não era quem procurávamos ou quando somos obrigados a renunciar-lhe. de outro modo, dura até estarmos certos de que é unicamente a nós que o outro ama, e deixa de estar condicionado pelo seu passado.
O amor, mesmo quando é apenas uma sondagem, uma possibilidade inicial, projecta-se subitamente para o futuro,no sentido de uma intimidade total, de uma comunidade formada por nós dois e cujo nascimento envolve todas as pessoas que amamos. É sempre, potencialmente, a partida para uma longa viagem com um companheiro que não conhecemos, num navio que nunca vimos, num mar misterioso. E deste modo, arrepio, encantamento, dilema, esperança, entusiasmo, medo.""
(do livro "O mistério do Enamoramento" de Francesco Alberoni)
quinta-feira, março 17, 2005
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário